quarta-feira, 22 de outubro de 2008

corpo, alma


Nossa cultura ve algumas coisas de forma muito curiosa. Sempre questionei a nossa relação psicológica com o nosso corpo. A gente constuma pensar no corpo como um “outro”, como algo meio independente de nós, como se ele não fosse nós mesmos, e sim um parceiro com quem temos uma relação de permuta: temos que tratar bem dele pra ele dar o que queremos. Em casos mais graves (e infelizmente mais comuns) o tratamos como escravos: damos o mínimo do que realmente importa a ele e exigimos que ele aparente o melhor possivel, porque não estamos realmente preocupados com ele, e sim com a imagem dele nos favorecendo.

Talvez haja uma supervalorização da “alma”, que é uma certa ‘entidade’ que nunca ninguem provou realmente que existe e a vemos independente do corpo. E na verdade o corpo vem primeiro, ele sim possibilita a alma estar sadia. Se nos preocupamos com o preparo e a sanidade do nosso cérebro, porque as vezes somos tão relapsos com nosso corpo? Muitas vezes ainda o sobrecarregamos: colocamos quimicas pra fazer ele agir contra sua vontade, contra seu ritmo e reações naturais, e literalmente nos agredimos sem a menor consciência. As pessoas tinham que ter o habito de amar mais seus corpos. Tirar um tempo do dia todo dia para senti-lo, observa-lo, acaricia-lo, ama-lo.

O corpo não é uma escultura, não é uma imagem pra atrair e impressionar. Ele é nosso veradeiro “templo”, ele é sagrado, ele é inerente e indispensável a nossa alma, ele nos protege, ele nos dá liberdade, nos apóia, nos dá sensações, quarda nossas recordações e histórias de vida. Recordo uma história em que a Fernanda Montenegro reagiu a uma critica sutil as suas rugas dizendo “tá louca que eu vou tirar elas? Você não sabe quanto tempo de vivencia eu precisei pra adquiri-las!”.

Nosso corpo nos dá dimensão, volume, nos liga a terra, nos faz sentir que existimos. Acho que pode ser destrutivo pensar no corpo como um recipente que abandonamos pra voar para um plano melhor, ou supervalorizar a “alma” (o que quer que ela seja) reduzindo o corpo a um veículo provisório. Talvez esse seja um dos motivos que nos faz tão relapsos com nosso corpo, uma herança de séculos de crenças que o diminuem. Além do mais, se voltar pro próprio corpo é um exercicio de auto-conhecimento. Aceita-lo em sua diversidade, sem impor a ele que siga um padrão pré-estipulado-por-sabe-se-lá-quem é preservá-lo de uma tirania, se recusando a banaliza-lo. É principalmente se conectar com sua verdadeira essência, algo raro nos dias de hoje.

Sem o corpo, não há alma. Nossa energia pode até transmutar em outras coisas, mas nossa consciência, desta forma que temos hoje, só vai existir mesmo nesse nosso injustiçado corpo. Acho que o ser humano só ganharia supervalorizando menos a “alma” e valorizando mais seu querido corpo.

Um comentário:

Lucio disse...

Note também como nossa sociedade valoriza a intelectualidade e acaba esquecendo do corpo.. nao do culto e da ostentação dele como objeto, claro, mas sim como veículo da expressão da alma. Por que dança nao é incentivada desde cedo ou incorporada como atividade básica desde cedo nos colégios? Reparem os professores e intelectuais, como geralmente só usam seus corpos pra "transporte de suas cabeças".. :)
A inteligência corporal é algo muito pouco valorizado e explorado pela maioria, quando deveria ser prioridade. Por isso admiro a Isadora Duncan, que no iniciozinho do século XX já falava que era mais importante as crianças até 6 anos primeiro aprenderem a expressar a alma através do corpo do que decorarem conhecimentos pré-moldados.