sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A polêmica do remix nacional



Hoje recebi um email anunciando em letras garrafais "dj fulano com o melhor da MPB REMIXADA", e achei curioso, primeiro porque o termo "mpb" pra substituir o "música brasileira" já me soa estranho (em breve faço um texto só sobre isso), segundo porque, como DJ de música brasileira, fiquei tentando lembrar de remixes brasileiros de que eu goste muito e nao consegui, e terceiro porque achei extremamente limitado um dj só tocar um segmento de um estilo musical. Mas concluo que se está no email, atrai algum tipo de público, obviamente.

Ok, não vale a pena usar o termo "bom" ou "ruim" porque é muito relativo, seria uma discussão que não levaria a nada. Então sem querer classificar, apenas para situar: hoje em dia se pode observar que existem dois caminhos pra quem faz musica (independente delas soarem bem aos nossos ouvidos ou não): um é o espontâneo, sincero, é fazer musica em primeiro lugar pra se expressar artisticamente (a musica ser "comercial" ou não fica em segundo plano). O outro é fazer com o intuito prioritário comercialo: de vender, de ser vendável, consumido rapidamente, gerar renda.

O remix surgiu basicamente pra adaptar musicas pra pista de dança. Em sistemas de clubs (enormes, falam sub-graves, levam o som pra outra proporção e sonoridade, o que é bem diferente de ouvir em casa ou no fone), é necessário "enxugar" a musica, evitando que muitos instrumentos soem juntos (o que "embola", os deixa menos audíveis), pois naturalmente quanto menos instrumentos se usa, mais clareza punch se consegue dar a eles (regra básica de produção de áudio). Além disso os primeiros remixes eram chamados de "versões extendidas" pois incluiam introduções e breaks(só a batida) no final para facilitar a mixagem de uma musica para outra. Logo os remixes foram sendo conhecidos como "coisa de DJ" e logo DJs entraram numa de "se eu sou DJ, eu tenho que tocar só remixes.

Até aí tudo bem. A segunda camada da história é contextualizar o que acontece no Brasil. Como em muitos lugares do mundo, a "cultura DJ" (ou cultura club, dá no mesmo) foi importada, como em um comportamento de colonizado imitar o colonizador. Logo o termo DJ ficou com o conceito público de "aquele que toca musicas gringas, fora do nosso contexto cultural". Só que ja se passaram mais de duas décadas desde o surgimento desta cultura, e de poucos anos pra cá produtores do mundo inteiro passaram usar a cultura eletrônica nao em detrimento da sua própria, e sim somando à sua própria. É mais ou menos como acontece no movimento balkan beats ou ghettotech - são culturas locais adaptadas pra pista com influencias de batidas eletrônicas. É o mundo descobrindo o valor da sua cultura para a dança, antes apenas na vida noturna (nos maiores clubs com os maiores soundsystems do mundo) e de uns anos pra cá nos festivais de verão (uma cultura que tem estado cada vez mais forte e ainda não chegou pra valer no Brasil).

Voltando aos remixes: basicamente vejo que há dois caminhos seguidos pelos produtores: os que pegam a musica brasileira (geralmente a já pasteurizada, americanizada, afinal alguem já viu musica regional tocar nas rádios comerciais?) e a adaptam a uma moldura gringa (versões house, dance, techno, electro etc.) e os que tentam catalizar o potencial dançante da música original, a adaptando para grandes sistemas ou buscando uma sonoridade nova. Infelizmente ainda se vê muito pouco desse segundo caso. Os remixes brasileiros hoje em dia são quase todos encomendas de gravadoras que visam "gringalizar" a musica pra um publico jovem que desde cedo é acostumado a babar o que vem de fora e ignorar a cultura local, ou que simplesmente se acostumou com o padrão "musica de DJ".

As pessoas entendem pouco ainda sobre esse conceito de música pra grandes sistemas, por isso os remixes e a musica eletronica em geral ainda são mal-compreendidos. Uma vez fui chamado pra falar sobre esse tema na TVE, programa "Atitude.com". Me perguntaram "qual o sentido de fazer um remix do Jorge Ben (jor), por exemplo, se as musicas dele já tem um groove totalmente dançavel? E eu dei uma resposta que resume bem o que tou falando: "as gravacoes antigas ou as feitas pra tocar em casa nao exploram elementos que são muito mais perceptiveis em grandes sistemas. Os Sound systems foram evoluíndo, e ganhando capacidade de reproduzir mais frequências, como as graves. Se eu faço um remix dele, irei somar uma batida que complemente o groove original e adicionar frequencias subgraves. Aí, se voce ouvir a original e em seguida o meu remix em casa ou no iphone, vai achar quase igual. Mas se ouvir em um club, vai ver que é brutal a diferença".

Daqui pra frente prevejo, espero e tambem trabalho pra que cresça o numero de produtores que, curtindo a cultura club mas tambem valorizando a cultura nacional, façam produções que priorizem a nossa sonoridade, e não tentem formatar nossas musicas para um padrão criado em algum país nada-a-ver-com-o-Brasil. Até porque se a gente copia o gringo, deixa de ser original, e se a gente cria nossas sonoridades, a gente ganha o mundo, exporta pra tudo que é lugar.. O samba e a bossa nova que o digam. Tomara que a música eletrônica brasileira crie novos sons, além do funk carioca, oficialmente o único ritmo eletrônico inventado no Brasil.

Um comentário:

SUPERLAGE disse...

Vou escrever um texto complementar para esse seu Lucio.

Vai seguir para seu e-mail um mix que fiz da música do segundo disco de SIBA e a fuloresta.

Abraço!