
A gente nao se dá conta, mas há uma guerra dos sexos, de pano de fundo, na nossa cultura. E sempre haverá, enquanto a maior parte nao enxergar e desvendar as desigualdades envolvendo os gêneros. De um lado, uma sociedade que ainda tem uma herança machista, que oprime e pressiona a mulher de uma forma principalmente tácita. Do outro, mulheres que não se conformam com essa desigualdade e ficam num dificil lugar onde se dedicam a chamar atenção para os desequilibrios entre gêneros e machismo do mundo. "Dificil", porque é um ingrato posicionamento ideológico: se por um lado se tem que puxar a balanca pro centro, se faz uma força oposta muito grande. Por isso as pessoas confundem esse conceito do feminismo, que nao é o contrario do machismo, e sim uma tentativa de proteção contra o machismo. E tambem por isso que é tão comum defensoras da igualdade feminina cometerem o feminazismo, o radicalismo geralmente contendo rancor e raiva, que é igualmente despropositado e destrutivo. Porque só alimenta essa "guerra de sexos". E lutar pela paz é um contrasenso, e um pecado recorrente de muitos militantes: a linha que divide militância e radicalismo é muito tênue.
Vi um filme em Barcelona, numa exposicao dedicada a Agência Magnum, chamado Aka Ana, filmado em 2006 em Tóquio, do diretor francês Antoine D'Agata. O filme mostra depoimentos, dos mais profundos, de prostitutas japonesas, e uma fotografia que te leva ao mundo mais íntimo delas. Saí da sala de projeção estarrecido. Foi uma experiência muito forte, porque nunca vi um filme que falasse de uma forma tão crua e profunda da natureza feminina, da fragilidade que envolve a sua condição, da questão de lidar com a sexualização do mundo regido pela visão masculina, das 'leis' que a vida impõe à mulher, ainda mais naquele contexto. Isso tudo se intensificou ainda mais porque estava acompanhado de uma amiga que ja teve uma experiencia de estupro. Realmente sai branco, com olhar perdido e a consciência de que provavelmente nenhum homem vai um dia saber exatamente o que é, realmente, a condição feminina, os conflitos, a responsabilidade de ser tanta coisa que lhe é projetada, a pressão da sociedade em tantos aspectos, a subjetividade e sobretudo o milagre da maternidade. E isso me faz compreender mais as mulheres que piram com isso, e as vezes passam dos limites. Nao é pra menos.
E por este equilibrio homem-mulher ser uma condição tao delicada, e por serem necessários tanta evolução e altruismo da raça humana para lidar de forma equilibrada a respeito, não sou otimista. Como o mundo está cada vez mais individualista, as pessoas cada vez mais fechadas e incapazes de se relacionar, compreender e tolerar as diferenças, do jeito que as coisas estão cada vez mais imediatistas e capitalistas (em uma sociedade onde todos querem comprar as soluções, e nao trabalhar por elas) eu cada vez mais acredito em uma antiga profecia minha:
Como sou fã de ficção cientifica e de previsões fantásticas, acho que nesse seculo nós ainda vamos presenciar um conflito social (e sexual) gerado pela tecnologia. Se imaginarmos que não ha limites tecnologicos, um dia desses os japoneses vao lancar uma sofisticada mulher artificial para fins sexuais (como ha em blade runner, meu filme preferido). E eu acho que os valores dos centros urbanos do mundo tao caminhando pra um lado tão vazio e consumista que isso vai ter um mercado grande entre infelizes homens solitários, acomodados, imediatistas, sem vivencia ou simplesmente machistas e misoginos, em um mundo cada vez mais regido por imagem e menos por valores essenciais. E certamente vai gerar uma (in)revolução de costumes. Se pararmos pra imaginar as possibilidades, nao é nada animador. Mais um exemplo de que a tecnologia, se usada somente pra suprir o comodismo e imediatismo humano, pode ser uma enorme inimiga.
Será que o ser humano vai acordar a tempo para resgatar (Desde ja) a vida de verdade? Resgatar o valor da complexidade tão bela das relações, que são essenciais pra nossa evolução como humanos?
Veremos nas proximas décadas, mas correndo o risco de parecer feminista (ou machista, pra alguns pontos de vista), sinceramente eu acredito que a mulher tem até mais poder pra mudar esse destino - espalhando sua compreensão e sensibilidade, se negando a ser o que o mundo machista espera dela para ser ela mesma e botando pra fora o seu poder e sua inteligência emocional, que são tao reprimidos, há tantos seculos, que precisam de uma sacudida pra acordar realmente.