domingo, 12 de julho de 2009

o triângulo da culpa


(Mais uma da série: "Ahh, como adoro psicologia"...)

Stephen Karpman, um professor de Análise Transacional, conceituou muito bem um mecanismo que está presente em praticamente todas as situações interpessoais e que tem me ajudado muito a identificar mais rápido a real causa de vários conflitos. Um texto chamado "the faces of victim", da Lynne Forrest me inspirou a escrever sobre isso.

Esse conceito mostra três formas de auto-vitimização, ilustrados pelo triângulo acima. O Perseguidor, o Salvador e a Vítima.

Quando não assumimos uma responsabilidade, começam a agir dispositivos inconscientes de reação que nos empurram para nos fazermos de vítimas, porque é mais fácil entrar nessa posição antes de nos sentir conscientemente culpados. Prestando atenção a esses dispositivos, fica muito mais fácil nao entrar nesse triangulo, e se relacionar com muito mais honestidade consigo e com os outros, sem entrar em "jogos", esses sim geralmente viram bolas de neve incontroláveis que fazem com que todos os envolvidos saiam perdendo.

Os "jogos" são posições manipulativas que contém truques, e começam a agir quando nos colocamos em uma dessas três posições (ou nas três): É importante identificar quando entramos ou estamos para entrar em alguma delas, porque inevitavelmente esses "truques" se voltam pra nós mesmos. Sem honestidade, ou seja, quando não observamos e assumimos a nossa realidade emocional sem máscaras, a negamos, e isso traz uma situação onde todos os envolvidos usam esses "escudos". Assim, fica impossível o entendimento ou uma visão do problema onde as partes possam assumir os erros (geralmente todos têm uma parcela de erro) e minimizar injustiças, sofrimentos e outros sentimentos que vão se acumulando (muitas vezes por anos a fio) e prejudicando todas as partes.

São as três Posições:

O PERSEGUIDOR


Quando ao invés de termos a posiçao, saudável e caratceristicamente paternal, de proteger e prover, ultrapassamos isso e entramos em uma esfera não produtiva, nos tornamos perseguidores. O perseguidor é aquele que aponta a culpa dos outros. Principais características:

- manipula usando o medo
- necessita que lhe temam
- necessita de pretextos pra justificar sua "raiva"
- elabora regras e força outros a seguirem
- se aproveita da inferioridade alheia
- aponta os defeitos, os realçando
- distribui a culpa (é a melhor forma de não assumir seus erros)

O SALVADOR


Quando ao invés de termos a posição, saudável e caratceristicamente maternal, de cuidar e nutrir, ultrapassamos isso entramos em uma esfera não produtiva, nos tornamos 'salvadores'. O salvador é aquele que se tornou o superprotetor, desrespeitando e atrapalhando o desenvolvimento independente do outro (que é a "vitima"). Possíveis características:

- precisa ser necessário para se sentir útil
- ao invés de fazer o outro encarar seu problema é conivente, usando justificativas para a sua incapacidade
- pode manipular pelo suborno
- oferece ajuda do tipo "muleta" para preservar uma relação de dependência
- Pode criticar e invalidar o outro, mesmo que bem sutilmente, de forma não detectada pela vítima (e, claro, por ele mesmo), para se afirmar "necessário, alimentando a relação de co-dependência.

A VÍTIMA

Quando ao invés de termos a posiçao de aprender por nós mesmos, nos tornando dependentes, nos tornamos vítimas. A vítima se convence da própria incapacidade e congela nessa situação de baixa auto-estima e dependência. Principais características:

- manipula pela chantagem emocional
- acredita que necessita ser perseguida ou "salva"
- acha que seus problemas sao enormes ou "não tem jeito"
- se coloca na posicao de indefesa ou incapaz
- se alimenta de culpa
- sabota esforços de ajuda, se colocando em dependência
- se ressente desta dependência.

O interessante é que frequentemente entramos nessas três posturas, as vezes ao mesmo tempo. As vezes dependendo da pessoa com quem nos relacionamos e muitas vezes com nós mesmos. Ex: nos acusamos de incapazes (perseguidor), comecamos a acreditar nisso (vítima) e para não encarar o problema mais a fundo, encontrando justificativas (salvador). Isso apenas gera um ciclo vicioso de culpa.

Outro exemplo bem conhecido: Queria ajudar ele (salvador), mas ele se voltou contra mim (vítima) e tive que me defender (perseguidor). Isso pode ser chamado de "ciclo de tirania".

Todas essas 3 posições vão acabar em culpa, ou seja, vitimização. E dai, pra que serve a culpa mesmo? Pra nada. Nossa história é calcada em culpa, mas qual a função mesmo dela? nos fazer arrepender? esse é o melhor aprendizado? Eu acho que é importante diferenciar: assumir erros e responsabilidades nao deve implicar em assumir culpa, arrependimento. A culpa é um sentimento castrador demais, gera vitimização e atrapalha justamente encarar responsabilidades.

CAUSAS

Se formos analisando e coando tudo isso, chegamos a conclusão de que a causa de tudo é negar ou não expressar nossos próprios sentimentos ou os dos outros e/ou não assumir responsabilidades e erros. Essa repressão gera culpa e vergonha, e, como qualquer repressão, acarreta em doenças emocionais ou em explosões repentinas, pois o cérebro sempre vai precisar - e encontrar uma forma - de "válvula de escape".

..

Pois é.. tanto estudo pra descobrir que o MENUDO é que tava certo.. Não se Reprima! :P

sábado, 11 de julho de 2009

Pobre Michael


A morte de Michael acabou que me trouxe reflexões importantes, porque trouxe peças do quebra-cabeças que faltavam pra entender seu drama. Ele estava mal, viciado em drogas há muitos anos. Foi confirmado, oficialmente, que ele estava dependente e consumia diariamente: Demerol, Vistaril, Dilaudid, xanax, Zoloft, Ritalina, prozac e Prilosec.

Quem tem problemas internos nunca conseguirá resolver eles com paliativos externos. Outro dia vi uma matéria sobre psicólogos estudando pessoas que teimam que querem fazer cirurgia plástica. E elas seguem sistematicamente o seguinte comportamento: dizem que só serao verdadeiramente confortaveis com sua aparência se mudarem o nariz.. mas dai depois que operam,continuam insatisfeitas, dessa vez querem mudar o queixo.. e depois a boca, e por aí vai, achando que será feliz se mudar tudo que "a incomoda". Da mesma forma buscamos sempre pretextos, to tipo "se eu ganhasse na Sena eu seria feliz".. Michael é a prova disso: um cara que tinha tudo na vida: boa fé, carisma, talento, muitissimo dinheiro e até muitas, muitas pessoas que fariam tudo por ele. Isso não o impediu de ter sérios problemas, e de desenvolver medo da vida. Tentou o dinheiro pra resolver "problemas" como a cor da sua pele e o tipo do seu cabelo, quando o problema tava lá dentro.. Michael era um menino medroso que nao queria encarar a vida, que se sentia, apesar de tudo, inapropriado a ela (como já vi ele confessar em entrevista).. e buscava fuga em quimicas, que obviamente o fizeram um viciado.

E por que ninguem o ajudou, se ele era tão amado? Simplesmente porque não adianta nem toda ajuda externa do mundo se a pessoa nao quer, verdadeiramente, mudar. Se a pessoa não consegue essa consciência por si própria, de dentro pra fora. E Michael não queria. Talvez tenha achado que quem tem tanto dinheiro nao precisa de psicólogo. Talvez ele tivesse medo até de perder o medo.. Ou de admitir pra si mesmo/pra alguem que precisava de ajuda psicológica.

Conversando com pessoas que já foram aos Narcóticos Anônimos (uma terapia "irmã"da dos Alcólicos Anônimos, de tratamento pra quem está viciado em qualquer droga) soube que realmente a fase mais dificil para tratar um vicio é a pessoa reconhecer que é um vicio, porque é normal que a pessoa só perceba/assuma quando já teve perdas consideráveis na sua vida. Como eles dizem, a maioria dos viciados nem "sabe" que é viciado.


O que é um vicio? Como saber se somos adictos?


A Organização Mundial da Saúde considera 7 critérios para definir um diagnóstico de dependência química. Se a pessoa se encaixa em pelo menos 3 desses itens que seguem abaixo, o diagnóstico é de dependência. Lembrando que em caso negativo, o uso abusivo pode ser desenvolvido e acarretar numa possível dependência. Lembrando, também, que dependência é uma doença incurável, deve ser tratada clinicamente. O primeiro passo do N.A. é reconhecer a impotência diante da droga e pedir ajuda.
Seguem os itens:

(1) tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:

(a) uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado
(b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância

(2) abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:
(a) síndrome de abstinência da substância (desconforto)
(b) a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência

(3) a substância é freqüentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido.

(4) existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância

(5) muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou fazer longas viagens de automóvel), na utilização da substância (por ex., ficar horas preparando o ritual de fumar maconha) ou na recuperação de seus efeitos

(6) importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância

(7) o uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância (por ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo reconheça que sua depressão é induzida por ela, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, embora o indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo do álcool).

Resumindo: sempre que a utilização contínua de uma substãncia comece a prejudicar outros setores da vida da pessoa.
O fato da pré-disposição ser uma "doença sem cura" quer dizer que nao importa quanto tempo a pessoa passe "limpa", a dependência pode voltar a qualquer momento e fazer o mesmo estrago.

e pra terminar esse assunto hardcore, um video perfeito pra se despedir do assunto "Michael". Uma pena que na vida ocorram tantos desperdícios por causa de medos e vicios..

(obs: pra quem tem fones vale a pena ver em High Quality: logo depois de apertar o play, clica lá embaixo HQ)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Complexo de perfeição


Um mal do nosso mundo atual, muito preocupante e muito pouco discutido, é o que eu chamo de "complexo de perfeição", e acomete muito mais as mulheres, justamente por consequência de uma sociedade atavicamente machista.
Fico admirado de, hoje em dia, conhecer cada vez mais mulheres talentosas, criativas, inteligentes e lindas que se acham muito pouco, e em casos de menor auto-estima, chegam a ficar congeladas numa redoma de medo imenso.. O medo de admitir suas características (tachadas como "imperfeições") mais que naturais. O machismo vem, ao longo dos tempos, acumulando cobranças em relação às mulheres, de uma forma surreal e desonesta. E, infelizmente, uma mentira contada depois de muitas décadas (nesse caso, séculos!) começa a ser internalizada como uma "verdade" e, nesse caso, como uma doença social. A crença de que se deve ser "perfeita" (conceito idealizado e inatingível, portanto uma receita perfeita para a eterna insatisfação) gera uma verdadeira fobia feminina  - já que esse mesmo machismo por outro lado é conivente com os erros masculinos - e esta fobia tambem não pode ser expressa.. pois revelaria mais uma "imperfeição"!

Some-se a isso a cultura feminina de competiçao acirrada - algo tambem incentivado por uma mentalidade machista - e aí está: o ambiente perfeito para que surja o complexo de perfeição.
A mulher acredita que PRECISA, alem de ser independente, inteligente, competente, multi-tarefas, tolerante etc., tambem seguir um padrão estético impecável e muitas vezes irreal.. Vê-se o quanto cada vez é mais comum a combinacao, principalmente na mídia, de anorexia e implantes de silicone, por exemplo.
Observem: quase toda mulher, de uma forma ou de outra, em diferentes graus, cai nessa cilada de acreditar na cobrança que lhe é imposta pelo mundo como condição para ser aceita.

Assim, seguindo o impulso de se esconder, as mulheres com complexo de perfeição podem até chegar ao ponto de não permitir que qualquer outra pessoa se aproxime perto o suficiente para enxergar qualquer coisa que elas acreditam ser uma imperfeição, e para isso desenvolvem máscaras sociais que podem ser muito grossas, impossibilitando relações mais profundas (com amigos, namorados, familiares e até maridos) e se sentem sozinhas, deslocadas e congelam na sua evolução pessoal e no auto-conhecimento, no contato com sua propria força vital intuitiva. É interessante observar que a maior parte dessas mulheres têm muitos admiradores e seguidores, pois passam uma imagem impecável, mas elas mesmo sabem que essa admiração é superficial: afinal é pela sua "máscara" e não por ela. Um grande exemplo disso é Marilyn Monroe, que foi vítima do seu próprio personagem artístico, que inevitavelmente se tornou uma máscara para lidar com o mundo, máscara essa que a isolou, como uma armadilha, e a fez muito mal, como se sabe. Ironicamente, por serem mulheres que vendem uma imagem de extrovertidas, elegantes, cultas, politizadas etc., têm uma imagem social muito positiva, e por isso é muito mais dificil que alguem desconfie do seu distúrbio, o que é mais um fator desfavorável para seu tratamento.

Então se faz o ciclo vicioso: Apesar de desejarem intensamente se conectar com os outros, as mulheres com complexo de perfeição têm medo da intimidade. Intimidade requer vulnerabilidade e abertura honesta. Apesar de ter uma índole honesta, íntegra e confiavel, em seu íntimo ela acredita que é incompleta, incompetente, cheia de defeitos, e não consegue se expor. Todos nós queremos ser incondicionalmente aceitos, mas quando não conseguimos nos aceitar a nós mesmos, é dificil acreditar que alguém realmente possa se envolver conosco.. e começamos a nos ver como farsas. Pensar que precisamos esconder nossos "defeitos" faz com que seja prioritário manter distância. Enquanto a mulher com complexo de perfeição tiver que manter seus segredos e negar sua verdade, a intimidade é inatingível. Portanto qualquer pessoa com mais visão que poderia ajuda-la a enxergar melhor seu quadro é afastada, obviamente, e algumas vezes, em casos extremos, transformada em uma espécie de monstro por ela. Isolada, e nutrindo revolta pelo quadro opressor, a mulher que nao enxerga esse processo claramente acaba se vitimizando, e a vitimização é uma forma de assegurar ainda mais alienação, não somente dos outros, mas principalmente de si mesma.

Esse quadro é um problema social cruel, mas atitudes agressivas ou radicais só podem gerar mais desentendimento e falta de sintonia. O caminho é uma compreensão, uma conscientização e uma crença maior, tanto das mulheres quanto dos homens, no poder feminino, principalmente o da sensibilidade e da intuição. Acredito totalmente que se a mulher se empodera, percebe que pode virar o jogo, e ao invés de tentar se enquadrar na expectativa machista, pode suprir uma carência do mundo de direção, afinal não ha nada melhor do que a visão feminina, sensível, equilibrada e livre de "impulsos testosterônicos" para dar uma luz para os homens... Para começar a acontecer uma mudança, é necessária uma mudança coletiva de consciência, e toda mudança coletiva começa com focos de discussão, para a questao deixar de ser tabu e que as pessoas entendam que é o caminho é passar pra frente essas idéias. Então que tal escrever, espalhar, discutir, destrinchar, denunciar o complexo de perfeição? Posicione-se a respeito do machismo, da "cultura photoshop", da cultura da comparação/competição, porque mania de perfeição só serve como uma grande pedra no caminho da felicidade feminina, e portanto, do mundo.