quinta-feira, 2 de julho de 2009

Complexo de perfeição


Um mal do nosso mundo atual, muito preocupante e muito pouco discutido, é o que eu chamo de "complexo de perfeição", e acomete muito mais as mulheres, justamente por consequência de uma sociedade atavicamente machista.
Fico admirado de, hoje em dia, conhecer cada vez mais mulheres talentosas, criativas, inteligentes e lindas que se acham muito pouco, e em casos de menor auto-estima, chegam a ficar congeladas numa redoma de medo imenso.. O medo de admitir suas características (tachadas como "imperfeições") mais que naturais. O machismo vem, ao longo dos tempos, acumulando cobranças em relação às mulheres, de uma forma surreal e desonesta. E, infelizmente, uma mentira contada depois de muitas décadas (nesse caso, séculos!) começa a ser internalizada como uma "verdade" e, nesse caso, como uma doença social. A crença de que se deve ser "perfeita" (conceito idealizado e inatingível, portanto uma receita perfeita para a eterna insatisfação) gera uma verdadeira fobia feminina  - já que esse mesmo machismo por outro lado é conivente com os erros masculinos - e esta fobia tambem não pode ser expressa.. pois revelaria mais uma "imperfeição"!

Some-se a isso a cultura feminina de competiçao acirrada - algo tambem incentivado por uma mentalidade machista - e aí está: o ambiente perfeito para que surja o complexo de perfeição.
A mulher acredita que PRECISA, alem de ser independente, inteligente, competente, multi-tarefas, tolerante etc., tambem seguir um padrão estético impecável e muitas vezes irreal.. Vê-se o quanto cada vez é mais comum a combinacao, principalmente na mídia, de anorexia e implantes de silicone, por exemplo.
Observem: quase toda mulher, de uma forma ou de outra, em diferentes graus, cai nessa cilada de acreditar na cobrança que lhe é imposta pelo mundo como condição para ser aceita.

Assim, seguindo o impulso de se esconder, as mulheres com complexo de perfeição podem até chegar ao ponto de não permitir que qualquer outra pessoa se aproxime perto o suficiente para enxergar qualquer coisa que elas acreditam ser uma imperfeição, e para isso desenvolvem máscaras sociais que podem ser muito grossas, impossibilitando relações mais profundas (com amigos, namorados, familiares e até maridos) e se sentem sozinhas, deslocadas e congelam na sua evolução pessoal e no auto-conhecimento, no contato com sua propria força vital intuitiva. É interessante observar que a maior parte dessas mulheres têm muitos admiradores e seguidores, pois passam uma imagem impecável, mas elas mesmo sabem que essa admiração é superficial: afinal é pela sua "máscara" e não por ela. Um grande exemplo disso é Marilyn Monroe, que foi vítima do seu próprio personagem artístico, que inevitavelmente se tornou uma máscara para lidar com o mundo, máscara essa que a isolou, como uma armadilha, e a fez muito mal, como se sabe. Ironicamente, por serem mulheres que vendem uma imagem de extrovertidas, elegantes, cultas, politizadas etc., têm uma imagem social muito positiva, e por isso é muito mais dificil que alguem desconfie do seu distúrbio, o que é mais um fator desfavorável para seu tratamento.

Então se faz o ciclo vicioso: Apesar de desejarem intensamente se conectar com os outros, as mulheres com complexo de perfeição têm medo da intimidade. Intimidade requer vulnerabilidade e abertura honesta. Apesar de ter uma índole honesta, íntegra e confiavel, em seu íntimo ela acredita que é incompleta, incompetente, cheia de defeitos, e não consegue se expor. Todos nós queremos ser incondicionalmente aceitos, mas quando não conseguimos nos aceitar a nós mesmos, é dificil acreditar que alguém realmente possa se envolver conosco.. e começamos a nos ver como farsas. Pensar que precisamos esconder nossos "defeitos" faz com que seja prioritário manter distância. Enquanto a mulher com complexo de perfeição tiver que manter seus segredos e negar sua verdade, a intimidade é inatingível. Portanto qualquer pessoa com mais visão que poderia ajuda-la a enxergar melhor seu quadro é afastada, obviamente, e algumas vezes, em casos extremos, transformada em uma espécie de monstro por ela. Isolada, e nutrindo revolta pelo quadro opressor, a mulher que nao enxerga esse processo claramente acaba se vitimizando, e a vitimização é uma forma de assegurar ainda mais alienação, não somente dos outros, mas principalmente de si mesma.

Esse quadro é um problema social cruel, mas atitudes agressivas ou radicais só podem gerar mais desentendimento e falta de sintonia. O caminho é uma compreensão, uma conscientização e uma crença maior, tanto das mulheres quanto dos homens, no poder feminino, principalmente o da sensibilidade e da intuição. Acredito totalmente que se a mulher se empodera, percebe que pode virar o jogo, e ao invés de tentar se enquadrar na expectativa machista, pode suprir uma carência do mundo de direção, afinal não ha nada melhor do que a visão feminina, sensível, equilibrada e livre de "impulsos testosterônicos" para dar uma luz para os homens... Para começar a acontecer uma mudança, é necessária uma mudança coletiva de consciência, e toda mudança coletiva começa com focos de discussão, para a questao deixar de ser tabu e que as pessoas entendam que é o caminho é passar pra frente essas idéias. Então que tal escrever, espalhar, discutir, destrinchar, denunciar o complexo de perfeição? Posicione-se a respeito do machismo, da "cultura photoshop", da cultura da comparação/competição, porque mania de perfeição só serve como uma grande pedra no caminho da felicidade feminina, e portanto, do mundo.

5 comentários:

Renato C. disse...

Enterno ciclo onde as filhas são espelho das mães moderninhas.Falta ensinarem auto-conhecimento em casa.

Aline M. Mac Cord disse...

Pois é, Renato! Onde andam os pais, pra ensinarem que a mãe delas é interessante pela pessoa que é, e não por ser moderninha? Não se pode esquecer que a base do relacionamento homem-mulher se aprende em casa, observando o relacionamento pai-mãe. No dia em que os pais demonstrarem não ser tão fúteis, talvez as filhas aprendam a não tolerar homens que perpetuem essa situação e, assim, quebrem o tal ciclo.

Dadivosa disse...

Tem tudo a ver um texto com o outro sim, Lucio... obrigada por mandar o link, viva a falibilidade que levamos dentro :)

Lun4tika disse...

Seu texto ia bem até o último parágrafo quando repentinamente você incorre em dois erros.

1- associar atitudes feministas com atitudes agressivas.
e
2- colocar "poder feminino" como coisas naturais da mulher, elencando "intuição e sensibilidade" como exemplos.


PRIMEIRO. Feminismo é uma corrente teórica e também um movimento social. E em ambos os aspectos, as vozes hegemônicas, as idéias maias aceitas pela comunidade feminista, digamos assim, não são agressivas. Pelo contrário. Praza-se muito pela valorização da mulher como sujeita, tirando-lhe o encargo de ser objeto de decoração, por exemplo.

SEGUNDO. Não há uma essência feminina. Dizer que as mulheres são sensíveis já é um pouco opressivo, afinal, como você acha que se sentem as que não são sensíveis ou tampouco intuitivas? Se sentem de fora, se sentem "erradas" e ae, criaríamos mais uma forma de padrão opressor.

Então é isso,
há braços.

Lucio disse...

Luana, obrigado pela generosa colaboração! Realmente eu falhei ao associar o feminismo com o feminismo radical e agressivo, e já corrigi isso no texto.
Quanto ao segundo ponto, meu intuito nao é fazer algo do tipo "a mulher tem que ter superpoderes, se voce nao tem, voce tem defeito" e sim "toda mulher tem uma essencia feminina, que inclui mais intuição, poesia e sensibilidade. Está aí dentro de voce, mesmo que voce não ache que tenha, basta prestar atenção e exercitar pra isso se tornar mais expresso."
Posso estar enganado, mas depois de mais de 30 anos observando atentamente a mulher, realmente acredito nisso, essas são caracteristicas típicas do cérebro feminino.

Se quiser me adiciona no facebook, gostei muito dos seus blogues: Lucio Queiroz K
bjs