sexta-feira, 18 de junho de 2010

Entrevista com Ed Motta 1997

Sim, eu tambem estrevistei Ed Motta. Há quase 13 anos (1997), a entrevista foi publicada na época no site Mood e no meu blogue. Vai aqui na íntegra, sem mudar uma vírgula, pela curiosidade. Gosto muito do estilo do Ed de falar suas opiniões, sem máscaras, demagogias e hipocrisias. Acho que as pessoas deveriam entender e respeitar mais a verdade de cada um, sem se ofenderem facilmente e sem ficar essa fiscalização do correto, como as criticas que ele recebeu essa semana pela entrevista dada para a Contigo. ------------------ O POLÊMICO SOUL MAN Por Lucio K - 24/10/97 Esbanjando simpatia - É assim que Ed Motta, 26, enfrenta a maratona de entrevistas de lançamento do seu novo álbum, Manual prático para festas, bailes e afins Vol 1. "Eu não acredito em psicólogos, vocês repórteres e entrevistadores são os meus terapeutas, me solto como se estivesse em um divã, falo mesmo. Esse negócio de entrevista comportadinha, 'Oí, como é que tá?' e o outro 'Tudo bem, tudo maravilhoso' não é pra mim...", confidencia Ed, numa prévia do que promete a entrevista. Uma exigência da gravadora foi que as entrevistas fossem na sala de entrevistas oficial, com a presença de duas mulheres que ficavam observando imóveis e caladas como estátuas. Eram as "Fiscais de entrevista". Sem lançar um trabalho solo desde o introspectivo "Entre e ouça" (1992) , Ed volta reformulado e muito bem assessorado. Foram convocados desde Liminha, o "Midas" da produção pop , a letristas como Ronaldo Bastos, Chico Amaral, Zélia Duncan e Rita Lee Para participar do album. Lucio K - Como é que você, um Soul Man, que respira música, ficou cinco anos nesse "jejum fonográfico", sem lançar um trabalho solo? ED MOTTA - Esse tempo me foi meio que imposto. No "Entre e ouça" eu estava me voltando mais para o lado jazzistico, erudito da música, e me acabei me afastando da proposta inicial da minha música, o Soul , o Funk. Eu estava muito mais para "Leonard Bernstein" do que pra "Stevie Wonder"... e fui radical, reneguei todo meu trabalho anterior... Lucio K - E por que aconteceu isso? ED MOTTA - É o seguinte : Você vai andando, pesquisando música cada vez mais, descobrindo coisas mais complexas musicalmente, e aí coisas que eu gostava antes foram se tornando ultrapassadas. Sou muito ligado à melodia, harmonia, complexidade e qualidade musical. É aquele negócio : tem gente que tem medo de nadar na parte funda da piscina, mas eu sempre fui curioso, nunca tive medo de me afogar não, então eu sempre quis conhecer o lado mais profundo da música, o lado mais erudito... Mas ao mesmo tempo, o funk continuava presente dentro de mim, como uma paixão escondida, e eu só queria fazer música pra um público mais seleto. Aí comecei a ver o lado missionário do artista, de trazer uma coisa de qualidade pra um público maior, um disco pop, dançante com coisas tipo (pega o violão e cantarola um trecho de "Fora da lei") então eu quis fazer foi essa coisa baseada em bossa nova, jazz, mpb, música erudita de uma forma suave, mais abrangente e mais dançante. O Liminha trouxe uma visão de mercado pro trabalho; essas músicas tinham muito mais elementos, acordes pra caramba, que foram enxugados pra um resultado mais pop... Lucio K - Mais digerível e sem comprometer a qualidade, diga-se de passagem... ED MOTTA - Exato. E eu antes não estava aberto pra isso . Quando gravei o "Entre e ouça", não tava nem aí, era aquela coisa : gostou ? Te amo. Não gostou ? Imbecil (risos). E eu sofri isso no palco, porque o público estranhou aquele troço. Eu comecei a ter uma relação de raiva com as pessoas, já estava explodindo... Foi aí que eu fui pros Estados Unidos (1994), ficava aquela coisa de "Ed, toca Manuel " e eu não tava mais nessa, e chegou a um ponto que eu fazia coisas pra irritar, dizia "Ah é ? Vocês não tão aplaudindo ? Então toma !" e sentava no piano e tocava uma coisa mais complexa, e aí que era pior ainda... (risos) Então esse negócio foi até válido, essa fase, porque assim...(fica mais sério) foi na verdade uma coisa ingênua da minha parte, porque nem sempre o que a gente tem de mais trabalhado vai estar aparecendo . As vezes aparece um pouquinho, e a gente tem que estar feliz com isso. Então eu quis um disco pop, mas com dignidade. Lucio K - Como é que funcionaram as influências externas nesse processo, e a idéia de chamar letristas diversos, o Liminha... ED MOTTA - Você escuta de tudo das pessoas que estão em volta de você, que tem que ser mais pop, tem que estourar, e tal , e foi uma ajuda também, porque eu estava relutando muito em fazer um disco pop. Então você fica... Bom, vamos fazer uma coisa que tenha o máximo de qualidade e o máximo de pop também. Então quando eu cheguei no Brasil (1995) eu comecei a fazer contato com essas pessoas, queria letras boas na minha música, fui muito influenciado pelo trabalho do Aldir Blanc. Quando eu ouvi o trabalho do Aldir com o Guinga, eu falei "peraí, cara... Você não curte letra de música? A letra desse cara é de fazer chorar, e a música desse cara é um absurdo, pra mim é o melhor compositor do mundo!". Então porque não juntar, aquela coisa de fotografia bonita com um bom roteiro?... Mas futuramente tenho vontade de gravar um disco só com... (cantarola improvisos), sem letra, porque a minha viagem da música sempre foi essa, musical, e inclusive pra provar que uma pessoa com cultura, articulada pode não fazer letra e não estar ligado na poesia, e tal. Existe uma síndrome no Brasil de valorizar muito a letra, a poesia na música, mas o meu negócio mesmo é exclusivamente a música. Lucio K - Como rolou a proposta de incorporar novas tecnologias no novo album, como samplers, e uma roupagem mais dançante? ED MOTTA - Eu busquei isso, com pessoas me ajudando, porque se for me deixar sozinho, a tendência é radicalismo puro...(risos) Então eu achei importante essa ajuda, gostei de trabalhar pela primeira vez mais em conjunto. Lucio K - E o que você achou desse concurso que a Universal (gravadora de Ed) promoveu, cedendo a voz da canção "Fora da lei" para quase 100 DJs e produtores fazerem suas próprias versões? ED MOTTA - Achei legal ...(sem muita veemência) Nos meus primeiros discos eu tinha ciúme, mas hoje em dia vejo de uma maneira legal, é como você ver uma pessoa numa festa tocando uma música sua no violão, como uma interpretação, é interessante... é como um exercício de democracia pra mim (risos tímidos). Algo difícil, que eu fui conquistando aos poucos, mas acabei curtindo. Lucio K - Você tem andado "atacando" de DJ em algumas festas na cidade... ED MOTTA - Na verdade eu era DJ, antes de cantar. Fui DJ do Mariuzinn (lendária casa noturna de Copacabana) , no antigo Metrópolis. Sempre discotequei Black Music, com algumas coisas diferentes. Eu sabia que queria cantar, mas achava fascinante a coisa de mostrar coisas novas. Lembro que tocava as vertentes mais radicais do Funk na época, como B.T. Express, Brass Construction, Norman Connors ... (...) Eu tenho mais de cinco mil discos, sempre fui um colecionador, e me orgulho disso. Aqui no Rio, de colecionador mesmo só posso citar o Frejat (Barão Vermelho). Lucio K - Outro hobbie seu é a coleção de quadrinhos antigos... ED MOTTA - Eu estou o tempo inteiro ligado às coisas que eu gosto, a música, o vinho, a comida, o cinema, os quadrinhos. O estilo que eu gosto de quadrinhos é o estilo do pessoal que está com 40, o pessoal que pegou a revista Grilo e essas coisas todas. Lucio K - E hoje em dia, que bandas, não eruditas, você curte ou lhe influenciam? ED MOTTA - O pop no Brasil não me atrai muito, curto poucas coisas, em geral as produções são grosseiras...Estou falando do pop, porque pra música brasileira mesmo, eu boto o tapete vermelho, é o país de Tom Jobim, é uma das músicas mais sofisticadas do mundo. Tem uma safra de músicos herdeiros do Tom, do Villa Lobos, muito boa. Um compositor brasileiro da nova geração que representa bem isso é o Flávio Henrique, de B.H. . No pop, gosto do J. Quest (também de B.H.), Mestre Ambrósio, trabalhos assim calcados na musicalidade. Já no pop internacional, gosto muito do Incognito. São exímios músicos, uma boa cantora... Fora eles, hoje em dia... Tá difícil, viu ? Gosto de escutar quem tem uma técnica que me interessa. Escuto até Kenny G, que é um saco mas tecnicamente é ótimo (risos). Se você me perguntar quais as cinco melhores coisas que eu já ouvi de rhythm & blues e soul, diria Earth Wind & Fire, Donny Hathaway , Marvin Gaye, Stevie Wonder e Incognito. Os americanos em geral têm mais intimidade, técnica e estudo com a música. São mais competitivos, e isso é bom. O inglês é aquela coisa do Brand New Heavies lança um disco e vai lá na casa do Jamiroquai, "e aí, beleza, maneiro, vamos tomar uma cervejinha, fazer uma Jam", e aquele clima de igualdade acaba acomodando os caras. É como aqui no Rio, a competitividade é grande, e sadia , quando não vira inveja, é claro.