sábado, 25 de outubro de 2008

DJ - uma profissao com cada vez mais responsabilidade..


As vezes encontro uns colegas de profissão que reclamam da inflação de DJs de hoje em dia. Dizem que em cada esquina tem um DJ, que filho de famoso ou modelo nao sabe o que ser e "vira" DJ, que o publico compra charlatões que tem um bom marketing etc. E eu sempre chamo atenção pro lado bom disso. Digo que com a quantidade de "paraquedistas" na area, finalmente o publico vai aprendendo a diferenciar.. Digo que quem é ruim, pode enganar alguns por um tempo, mas nao se sustenta. Sempre me alivia ver que DJs que nao gostam realmente de musica acabam nao se sustentando. Mas vim falar de outra historia, pra exemplificar a importancia de ser DJ hoje em dia:

Semana passada fui no meu banco, conhecer enfim o gerente (que está há anos lá), que tem cerca de 45 anos. No meio do papo, eu comentei que viajava muito e ele perguntou o que eu fazia, e eu disse que era DJ.
Entao ele falou “Po, então me diz uma coisa.. Essa semana mesmo estava conversando com um amigo meu, e estavamos nos perguntando por que até os anos 80 as musicas eram boas, tinham uma certa qualidade, e hoje em dia é tudo porcaria, descartável. É porque a geração de hoje é diferente, e eles gostam mesmo de lixo?”

Tentei ser resumido. Mas, como profissional da musica, tinha que dar uma resposta que esclarecesse bem. Então disse mais ou menos assim: “Não, eles nao gostam de lixo, eles são levados a consumir. Mas isso acontece por duas coisas: primeiro, nos anos 80 o marketing se sobrepos à música, à arte, portanto a prioridade passou a ser vender, e não oferecer música de qualidade. Isso forma um ciclo destrutivo: As gravadoras viraram indústria, e pararam de arriscar em coisas originais: só lançam o que elas tem certeza de que vai vender. Como eles são marketeiros, publicitarios, eles nao entendem de música. Por isso que esse esquema tá todo desmoronando agora. O outro motivo é que temos mais de 15 anos de jabá instaurado no Brasil. Ou seja: tudo que o publico ouve em radio e tv teve grana por fora pra ser veiculado. Isso reforça ainda mais o ciclo do primeiro motivo, entende?”
Ele pareceu entender o sentido da coisa. Ná próxima vou tentar ser mais resumido.. rsss.. é dificil, num assunto como esse.

O consumidor nem se toca desse processo de manipulação, muita gente ainda acredita que as radios e TVs selecionam o que há de mais interessante para mostrar ao publico, e não é verdade. As pessoas também não sabem que é uma máfia, envolvida com política até o pescoço, essa coisa de concessão de transissão de radio e TV.

E é por isso que o DJ será uma figura cada vez mais importante, porque só o DJ pode, dando a volta nesse sistema pobre e destrutivo que vê a musica como caça níqueis, pesquisar, selecionar o que ele, e o amor à musica dele, acham que é interessante, adequado, valoroso e servir de ponte entre a musica e o público. O problema tambem é os DJs terem essa consciência e/ ou conseguirem a liberdade de fazer um trabalho menos comercial. A maioria deles precisa trabalhar pra esse sistema, e acaba colaborando com o ciclo – de padronização cultural – ao inves de possibilitar a diversidade e liberdade musical.


veja tambem um texto meu que sobre o que é um bom DJ aqui.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

corpo, alma


Nossa cultura ve algumas coisas de forma muito curiosa. Sempre questionei a nossa relação psicológica com o nosso corpo. A gente constuma pensar no corpo como um “outro”, como algo meio independente de nós, como se ele não fosse nós mesmos, e sim um parceiro com quem temos uma relação de permuta: temos que tratar bem dele pra ele dar o que queremos. Em casos mais graves (e infelizmente mais comuns) o tratamos como escravos: damos o mínimo do que realmente importa a ele e exigimos que ele aparente o melhor possivel, porque não estamos realmente preocupados com ele, e sim com a imagem dele nos favorecendo.

Talvez haja uma supervalorização da “alma”, que é uma certa ‘entidade’ que nunca ninguem provou realmente que existe e a vemos independente do corpo. E na verdade o corpo vem primeiro, ele sim possibilita a alma estar sadia. Se nos preocupamos com o preparo e a sanidade do nosso cérebro, porque as vezes somos tão relapsos com nosso corpo? Muitas vezes ainda o sobrecarregamos: colocamos quimicas pra fazer ele agir contra sua vontade, contra seu ritmo e reações naturais, e literalmente nos agredimos sem a menor consciência. As pessoas tinham que ter o habito de amar mais seus corpos. Tirar um tempo do dia todo dia para senti-lo, observa-lo, acaricia-lo, ama-lo.

O corpo não é uma escultura, não é uma imagem pra atrair e impressionar. Ele é nosso veradeiro “templo”, ele é sagrado, ele é inerente e indispensável a nossa alma, ele nos protege, ele nos dá liberdade, nos apóia, nos dá sensações, quarda nossas recordações e histórias de vida. Recordo uma história em que a Fernanda Montenegro reagiu a uma critica sutil as suas rugas dizendo “tá louca que eu vou tirar elas? Você não sabe quanto tempo de vivencia eu precisei pra adquiri-las!”.

Nosso corpo nos dá dimensão, volume, nos liga a terra, nos faz sentir que existimos. Acho que pode ser destrutivo pensar no corpo como um recipente que abandonamos pra voar para um plano melhor, ou supervalorizar a “alma” (o que quer que ela seja) reduzindo o corpo a um veículo provisório. Talvez esse seja um dos motivos que nos faz tão relapsos com nosso corpo, uma herança de séculos de crenças que o diminuem. Além do mais, se voltar pro próprio corpo é um exercicio de auto-conhecimento. Aceita-lo em sua diversidade, sem impor a ele que siga um padrão pré-estipulado-por-sabe-se-lá-quem é preservá-lo de uma tirania, se recusando a banaliza-lo. É principalmente se conectar com sua verdadeira essência, algo raro nos dias de hoje.

Sem o corpo, não há alma. Nossa energia pode até transmutar em outras coisas, mas nossa consciência, desta forma que temos hoje, só vai existir mesmo nesse nosso injustiçado corpo. Acho que o ser humano só ganharia supervalorizando menos a “alma” e valorizando mais seu querido corpo.

domingo, 19 de outubro de 2008

VAMPIROS DE IMAGENS


As vezes acho que a festejada "cultura do individualismo e da liberdade" é uma desculpa pra ainda mais alienação: é como houvesse um plano para, através da 'maquina do sistema', primeiro se tirar a cultura, a intuição e até a liberdade das pessoas e faze-las de ovelhas que acreditam que tem livre arbítrio, qualidade de vida e um rico leque de opções de vida. Então, aproveitando que elas estão sem esses privilégios, depois a fazem acreditar que os valores estão baseados em consumo, e além de venderem supérfluos insalubres, ainda vendem "antídotos", num processo parasitário. Diante desse quadro, sobram carcaças vazias que vivem pra trabalhar (e nao trabalham pra viver, o que seria o ideal) e tudo entra em um ciclo vicioso: diante dessa pressão pela produção a todo custo, não têm sequer tempo para buscar alternativas ao pré-moldado que lhes é empurrado. Frustradas, as pessoas tentam preencher esse vazio de forma errada, paliativa. E adivinha quem tambem dá esse paliativo de forma fácil e tambem pré-moldada? Não precisa ser visionário pra sacar que é a mídia. Tanto a industria de "entretenimento" - a espetacularizacão de tragédias, de produção de "ícones-ilusões-de-ótica" - quanto a midia que está mais em "plano real" - a publicidade. O negócio é criar uma imagem agregada a um status social e vende-la (assim como é feito com as mercadorias de consumo) como indispensável.

Ok, há séculos a historia da humanidade tem se baseado em imagem. Já na idade média a aristocracia vivia de uma imagem, uma máscara, e era seguida pela burguesia, que tambem tinha como um dos valores prioritários cultuar e perseguir essa imagem aristocrática e ostentar, glamourizar e mascarar sua vida. Assim se pode ver na obra de vários artistas que satirizavam a hipocrisia social como Moliere (As Eruditas), Balzac (especialmente "Comédia Humana"), Oscar Wilde (Retrato de Dorian Grey). Como evoluimos, obviamente nossas doenças evoluem junto. Hoje a mídia não só vende o culto de status ou objetos, mas pior: cria e vende, com toda a parafernalia tecnologica de que dispõe, a imagem desses objetos, que obviamente não condizem com a realidade. Tudo é espetacularizado, glamourizado, vendido como "modelo". Desde a rotina de "big brothers" até a vida de jogadores de futebol, de infelizes assassinos a atrizes e apresentadoras de televisão cujo unico curriculo é terem dado pra homens famosos..

Assim se faz uma relação de fetichismo popular por imagens idealizadas, junto com uma frustração, a de nunca alcançar estas imagens. É uma relação nada sadia: ao mesmo tempo há a admiração / a inveja; a super-valorização do outro / a desvalorizacao do self. Isso dificulta ainda mais as pessoas de entrarem em contato com sua grande verdade - que sempre está dentro delas mesmas. Buscam, desesperadas, representantes de dimensões de humanidade que o homem comum já não reconhece - o que dirá encontra - em si mesmo.

Predomina a imagem sobre a personalidade, a aparência sobre a "essência", e isso é uma das maiores características da cultura urbana contemporânea. Como o mercado é totalmente mancomunado com os meios de comunicação de massa, a mídia produz os sujeitos de que o mercado necessita, prontos para responder a seus apelos de consumo, numa simbiose de dois monstros parasitas. Por outro lado, o consumidor vive para valores fúteis que o fizeram crer como essenciais, e se torna tambem um vampiro, pois por mais que consuma o "remédio" dado, sempre estará sedento, sem saber exatamente de quê. Só que ele é parasita de si mesmo, ou melhor, ele é um cúmplice do parasitismo sem perceber, pois se permite parasitar.

Até a espiritualização virou indústria, aliás, uma das que mais arrecada dinheiro. Pois é óbvio que as pessoas, diante desse vazio, percebem que mesmo consumindo, a aflição do esvaziamento de essência e sentido continua. E vão buscar um lenitivo mais forte, a suposta "espiritualidade" que supostamente deveria se basear na riqueza da troca com o mundo e a busca de auto-conhecimento e hoje vem tambem em forma de mercadoria, pré moldada, de fácil consumo. Claro que é preciso ter "fé" em qualquer coisa que pareça uma bóia de salvação para desconcentrarmos desta falta de sentido, esse empobrecimento e massificação dos nossos valores essenciais.

O resultado é, como tudo em uma sociedade imediatista, um apodrecimento, um esgotamento das bases, e um inevitável desmoronamento da estrutura atual, que já está em plena decadência. Talvez se não fosse por esse imediatismo, todos iriam enxergar que todo mundo acaba perdendo com um empobrecimento geral de uma sociedade que só consegue "enriquecer" às custas destas vidas expropriadas, e baseadas em ilusões. É ilusão pra te vender coisas, é ilusão pra te fazer alimentar mal, é ilusão pra te vender remédios e soluções milagrosas pra todo lado. Há parasitismo em mais lugares do que se parece, o que deixa todos debilitados. E é dificil enxergar esse empobrecimento justamente porque faz parte do jogo o sistema fechar os olhos das pessoas para isso, fazendo-as acreditar que, abarrotadas de mercadorias, gozam de uma riqueza excepcional, o que as deixa ainda mais perplexas.

Saídas práticas e positivas? Aprender a identificar os "parasitas", compreender toda essa "máquina descontrolada" e passar adiante a compreensão, não pregando, mas informando, proporcionando pensamento, discussão, reflexão. Talvez sua missão no mundo inclua isso, quem sabe? ;)


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Dedicado à minha amada e iluminada Aleta.